O objetivo deste relatório é esclarecer a importância e a urgência de proteger as florestas dos territórios indígenas e tribais e as comunidades que as cuidam, para a ação climática. Um povo tribal é “um povo que não é indígena da região [que habita], mas que compartilha características semelhantes com os povos indígenas, como ter diferentes tradições sociais, culturais e econômicas de outras seções da comunidade nacional, identificar-se com seus territórios ancestrais e estar regulados, ao menos parcialmente, por suas próprias normas, costumes ou tradições” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2007). Tal termo, pactuado internacionalmente, converge com o que no Brasil a legislação nacional chama de “Comunidades Tradicionais”. Com base na experiência recente, propõe-se um conjunto de investimentos e políticas a serem adotados pelos financiadores de ações climáticas e pelos tomadores de decisão do governo, em coordenação com os povos indígenas e tribais. Os povos indígenas e tribais que vivem em áreas florestais na América Latina e no Caribe vivem em uma situação paradoxal: apesar de serem ricos em recursos naturais e cultura, são pobres em renda monetária e acesso a serviços públicos. Este relatório responde a essa dualidade. Ele propõe medidas que aprimoram o uso da riqueza natural e cultural dos povos indígenas e tribais para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, proteger a vida selvagem e a biodiversidade e, ao mesmo tempo, reduzir a pobreza extrema, a insegurança alimentar e os conflitos sociais. Essas medidas são ainda mais urgentes no contexto atual da pandemia da COVID-19, já que os povos indígenas e tribais estão entre os mais atingidos pela doença e pela crise econômica, e ficou claro que a interrupção das florestas e da biodiversidade pode colocar a vida humana em risco. A importância das florestas para a estabilidade climática está no fato de que será muito difícil manter as temperaturas médias globais abaixo de 2°C acima dos níveis préindustriais sem a conservação e a restauração global das florestas (Houghton et al., 2017). Praticamente todos os cenários para conseguir alcançar essa meta vem de alguma combinação de redução do desmatamento e degradação das florestas, reflorestamento e regeneração de florestas naturais (IPCC, 2018), que são as principais “ações climáticas” discutidas neste relatório. Nesse contexto, as florestas em territórios indígenas e tribais na América Latina e no Caribe são fundamentais para a estabilidade e a resiliência climática global, regional e local. Elas contêm quase 30% do carbono armazenado nas florestas da região e 14% do carbono das florestas tropicais em nível global (Saatchi et al., 2011; Walker et al., 2014; Frechette et al., 2018). De fato, possuem mais carbono do que todas as florestas da República da Indonésia ou da República Democrática do Congo, os dois países com a maior área de floresta tropical depois do Brasil (Walker et al., 2014). Além de ser um agente climático central devido ao carbono que armazenam, as florestas também influenciam a temperatura e a precipitação de outras formas. Elas têm maior evapotranspiração e rugosidade, e albedo mais baixo do que outros usos da terra, o que afeta significativamente a temperatura e a precipitação local (Ellison et al., 2017; Sheil, 2018; IPCC, 2019). Uma boa cobertura florestal pode ajudar a evitar extremos de temperatura e mudanças nos padrões de chuva, mantendo assim a produtividade agrícola, contornando problemas de saúde humana ligados ao estresse térmico e prevenindo incêndios florestais associados a secas (Costa et al., 2019; Suter et al., 2019). Historicamente, as florestas em territórios indígenas e tribais sofreram muito menos destruição do que outras florestas da região. No entanto, vários fatores que protegiam essas florestas estão mudando; as ameaças a elas e a seus habitantes estão crescendo rapidamente. A reversão dessa tendência negativa exige uma série de medidas, que podem ser agrupadas em cinco categorias principais: Fortalecimento dos direitos coletivos à terra. Compensar as comunidades indígenas e tribais pelos serviços ambientais que prestam. Facilitar o manejo florestal comunitário. Revitalizar culturas e conhecimentos tradicionais. Fortalecer a governança territorial e as organizações indígenas e tribais. Essas medidas oferecem uma excelente oportunidade para obter reduções significativas no carbono atmosférico a um baixo custo por tonelada de emissões evitadas e gerar vários benefícios ambientais e sociais. Um pacote integral de reformas e investimentos que incorporem esses elementos podem contribuir substancialmente para o cumprimento de muitos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), do Acordo de Paris e da Agenda 2030. O relatório começa analisando as florestas nos territórios que os povos indígenas e tribais gerenciam coletivamente e chamando a atenção para sua importância para a ação climática. Em seguida, explora porque essas florestas têm sido mais bem conservadas do que outras florestas na América Latina e, depois, explora a nova dinâmica que está impulsionando a destruição acelerada das f lorestas e ameaçando cada vez mais as pessoas nos territórios indígenas e tribais. Por fim, propõe um pacote abrangente de políticas e investimentos para reverter essa tendência, com ênfase em cinco áreas de intervenção. Deve-se observar que esta pesquisa se concentra em territórios indígenas com cobertura florestal. Ela também inclui evidências sobre os afrodescendentes que poderiam ser considerados “tribais” de acordo com os padrões internacionais (Dulitzky, 2005). Este relatório baseia-se em uma revisão da literatura de mais de 300 estudos publicados nas últimas duas décadas, incluindo 73 publicados nos últimos dois anos (2019 e 2020). Espera-se que seja de interesse dos tomadores de decisão e profissionais que trabalham em órgãos públicos, organizações de base, organizações internacionais, centros acadêmicos e organizações não governamentais preocupados com a política climática e florestal e com a posse e os direitos à terra de povos indígenas e tribais.

Os povos indígenas e tribais e governança florestal. Uma oportunidade para a ação climática na América Latina e no Caribe

Resource Key: Z7ULJZLE

Document Type: Report

Creator:

Author:

  • FAO
  • FILAC

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Place: Santiago

Institution: Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO); Fund for the Development of the Indigenous Peoples of Latin America and the Caribbean (FILAC)

Date: 2021

Language: pt

O objetivo deste relatório é esclarecer a importância e a urgência de proteger as florestas dos territórios indígenas e tribais e as comunidades que as cuidam, para a ação climática. Um povo tribal é “um povo que não é indígena da região [que habita], mas que compartilha características semelhantes com os povos indígenas, como ter diferentes tradições sociais, culturais e econômicas de outras seções da comunidade nacional, identificar-se com seus territórios ancestrais e estar regulados, ao menos parcialmente, por suas próprias normas, costumes ou tradições” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2007). Tal termo, pactuado internacionalmente, converge com o que no Brasil a legislação nacional chama de “Comunidades Tradicionais”. Com base na experiência recente, propõe-se um conjunto de investimentos e políticas a serem adotados pelos financiadores de ações climáticas e pelos tomadores de decisão do governo, em coordenação com os povos indígenas e tribais. Os povos indígenas e tribais que vivem em áreas florestais na América Latina e no Caribe vivem em uma situação paradoxal: apesar de serem ricos em recursos naturais e cultura, são pobres em renda monetária e acesso a serviços públicos. Este relatório responde a essa dualidade. Ele propõe medidas que aprimoram o uso da riqueza natural e cultural dos povos indígenas e tribais para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, proteger a vida selvagem e a biodiversidade e, ao mesmo tempo, reduzir a pobreza extrema, a insegurança alimentar e os conflitos sociais. Essas medidas são ainda mais urgentes no contexto atual da pandemia da COVID-19, já que os povos indígenas e tribais estão entre os mais atingidos pela doença e pela crise econômica, e ficou claro que a interrupção das florestas e da biodiversidade pode colocar a vida humana em risco. A importância das florestas para a estabilidade climática está no fato de que será muito difícil manter as temperaturas médias globais abaixo de 2°C acima dos níveis préindustriais sem a conservação e a restauração global das florestas (Houghton et al., 2017). Praticamente todos os cenários para conseguir alcançar essa meta vem de alguma combinação de redução do desmatamento e degradação das florestas, reflorestamento e regeneração de florestas naturais (IPCC, 2018), que são as principais “ações climáticas” discutidas neste relatório. Nesse contexto, as florestas em territórios indígenas e tribais na América Latina e no Caribe são fundamentais para a estabilidade e a resiliência climática global, regional e local. Elas contêm quase 30% do carbono armazenado nas florestas da região e 14% do carbono das florestas tropicais em nível global (Saatchi et al., 2011; Walker et al., 2014; Frechette et al., 2018). De fato, possuem mais carbono do que todas as florestas da República da Indonésia ou da República Democrática do Congo, os dois países com a maior área de floresta tropical depois do Brasil (Walker et al., 2014). Além de ser um agente climático central devido ao carbono que armazenam, as florestas também influenciam a temperatura e a precipitação de outras formas. Elas têm maior evapotranspiração e rugosidade, e albedo mais baixo do que outros usos da terra, o que afeta significativamente a temperatura e a precipitação local (Ellison et al., 2017; Sheil, 2018; IPCC, 2019). Uma boa cobertura florestal pode ajudar a evitar extremos de temperatura e mudanças nos padrões de chuva, mantendo assim a produtividade agrícola, contornando problemas de saúde humana ligados ao estresse térmico e prevenindo incêndios florestais associados a secas (Costa et al., 2019; Suter et al., 2019). Historicamente, as florestas em territórios indígenas e tribais sofreram muito menos destruição do que outras florestas da região. No entanto, vários fatores que protegiam essas florestas estão mudando; as ameaças a elas e a seus habitantes estão crescendo rapidamente. A reversão dessa tendência negativa exige uma série de medidas, que podem ser agrupadas em cinco categorias principais: Fortalecimento dos direitos coletivos à terra. Compensar as comunidades indígenas e tribais pelos serviços ambientais que prestam. Facilitar o manejo florestal comunitário. Revitalizar culturas e conhecimentos tradicionais. Fortalecer a governança territorial e as organizações indígenas e tribais. Essas medidas oferecem uma excelente oportunidade para obter reduções significativas no carbono atmosférico a um baixo custo por tonelada de emissões evitadas e gerar vários benefícios ambientais e sociais. Um pacote integral de reformas e investimentos que incorporem esses elementos podem contribuir substancialmente para o cumprimento de muitos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), do Acordo de Paris e da Agenda 2030. O relatório começa analisando as florestas nos territórios que os povos indígenas e tribais gerenciam coletivamente e chamando a atenção para sua importância para a ação climática. Em seguida, explora porque essas florestas têm sido mais bem conservadas do que outras florestas na América Latina e, depois, explora a nova dinâmica que está impulsionando a destruição acelerada das f lorestas e ameaçando cada vez mais as pessoas nos territórios indígenas e tribais. Por fim, propõe um pacote abrangente de políticas e investimentos para reverter essa tendência, com ênfase em cinco áreas de intervenção. Deve-se observar que esta pesquisa se concentra em territórios indígenas com cobertura florestal. Ela também inclui evidências sobre os afrodescendentes que poderiam ser considerados “tribais” de acordo com os padrões internacionais (Dulitzky, 2005). Este relatório baseia-se em uma revisão da literatura de mais de 300 estudos publicados nas últimas duas décadas, incluindo 73 publicados nos últimos dois anos (2019 e 2020). Espera-se que seja de interesse dos tomadores de decisão e profissionais que trabalham em órgãos públicos, organizações de base, organizações internacionais, centros acadêmicos e organizações não governamentais preocupados com a política climática e florestal e com a posse e os direitos à terra de povos indígenas e tribais.

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